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E para saber mais o que seus ouvidos estão prontos para ouvir, leia a resenha por Eduardo Yukio @eduardoyukio:
Categorizar e rotular: tarefas que já foram relativamente simples, óbvias até, em muitos momentos da música popular. E não podemos fugir daquilo que, convenhamos, já pertenceu a muitos universos particulares: a sensação de pertencimento, que até os anos 90 eram bastante relacionados ao seu gosto musical. As tribos musicais raramente se misturavam.
No Brasil, uma terra em que o termo pop até hoje é completamente desconexo da realidade – a MPB se “estabeleceu” como gênero amorfo e acomodado em seu status quo; e o resto, é o resto. Qualquer expressão mais genuinamente popular ganha contorno e carimbo de sub- produto, ou tema de reportagem pretensamente sociológica, geralmente em contornos dramáticos: “Adolescentes usam drogas e ouvem funk”, “Garota de classe média sobe o morro com o namorado traficante”,” Confusão em show”: tudo culpa do rap, do funk, do samba marginal…
O cenário real é que a informação que abastece as periferias é a mesma que é consumida nos condomínios-clube fechados ; exceto que, por motivos óbvios, ela é filtrada de forma diferente. Talvez até pela necessidade de manter um nível de excelência para sobreviver, trabalhos realizados por rappers paulistanos, por exemplo, carregam mais referências que a média: só quem ouve com atenção sabe que um cara como o Mano Brown é repleto de bons sons em sua discoteca pessoal. A proliferação mais veloz e instantânea de sons e idéias atualmente só aumenta a probabilidade de gerar bandas que são diametralmente opostas no estilo, embora convivam em um mesmo contexto geográfico. E desafiam aqueles que acreditam ter o poder de controlar e estabelecer regras para o consumo cultural.
Nó na Orelha é o segundo disco de Kleber Gomes, o Criolo, antes Criolo Doido. A trajetória desse rapaz na cena hip-hop é longa e antiga. Mas esse disco é como seu cartão de visitas para o mundão. Capaz de criar letras e transformar pequenas cenas em rimas como se fosse uma máquina industrial, Criolo percebeu que poderia registrar suas crônicas de forma mais adequada ao seu furor criativo. Aqui vale o conceito desenvolvido pelos parágrafos acima: com a ajuda de Marcelo Cabral e Daniel Ganjaman – produtores do album -, Criolo, o MC, o, rapper, entrega um dos mais completos discos da música pop brasileira nos últimos tempos. Completo pelo estilhaçamento de ritmos e pela forma como tudo se amarra; completo nas letras que vão de imagens poéticas á ataques críticos, de relatos contundentes ao bom humor; e principalmente porque é um poderoso disco de hip-hop, na essência. Isso é música popular com sangue nas veias.
Bogotá abre o trabalho como uma bomba soul-funk-afrobeat: é dançável e forte, quase tropical. Mas é afiada, aguda. Menos celebração hedonista e mais “fio na navalha/brincar no precipício“. O single Subirusdoistiozin possui aquela qualidade instrumental típica do coletivo Instituto, um mosaico de teclados bem encaixados duelando com a verve Criolística que narra mais um pedaço de realidade. O soul rasgado de Não Existe Amor em SP mostra que instintivamente Criolo canta melhor ainda quando é sutil: o que pode soar como uma visão estreita da crueza da metrópole é mais um apelo emocionado de um morador da cidade.Mariô segue para provar que o cidadão Kleber aqui não é pequeno poeta universitário: mandando a real, não alivia pra ninguém: “Quem se julga a nata/cuidado pra não cuaiá” …”fia: eu odeio explicar gíria“. Freguês da Meia Noite é um lamento, bolerão desavergonhado, sobre frio na alma, no ar e no Largo do Arouche. O “outro lado”do single Subirusdoistiozin, Grajauex, é uma porrada, que de forma quase delirante utiliza o bairro de criação do Criolo para inserir um grande mundo de emoções. Samba Sambei, vejam só, é como a chegada de um soundsystem jamaicano. Sucrilhos, sucesso já nas apresentações, cita Rappin Hood, favela e Oiticica pra avisar que “cientista social e Casas Bahia”… “pode colar/ mas sem arrastar/se arrastar a favela vai cobrar”. Lion Man é uma aventura cósmica narrada de forma tão pulverizada que desnorteia o ouvinte, como golpes ninjas. Encerrando o disco, a canção que dá título se inicia como uma moda de viola que se transforma em samba e conta com a “participação” da Turma da Monica na poética nada pueril.
Assim, Criolo resume em dez músicas uma vida dedicada á música independente, ao hip-hop, á rinha dos MC’s. E também uma homenagem á cidade de São Paulo – que é capaz de inspirar e destruir – e a seus pais. Boas intenções não resultam necessariamente em discos elogiáveis. Mas Nó na Orelha acaba sendo o retrato mais bem acabado de uma música que pode ser atual, pungente e acessível; difícil de aprisionar em rótulos anacrônicos, mas feito com suor. Afinal, “cantar rap nunca foi pra homem fraco“. Nó na orelha, soco no estômago e afago na alma e no coração. Salve Criolo.
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